O TURFE EM PORTO ALEGRE, O JOCKEY CLUB DO RIO GRANDE DO SUL E SUAS ORIGENS |
A história do turfe na cidade de Porto Alegre remonta ao ano de 1856, quando da importação diretamente da Inglaterra do animal Avon, primeiro exemplar da raça puro sangue inglês a desembarcar na Província, por iniciativa do veador José Ferreira Porto (título honorífico do serviço interno do Paço Imperial). A partir da chegada de Avon – animal nobre e veloz – foram dados os primeiros passos do desenvolvimento e do aperfeiçoamento da criação do cavalo de corrida. Acostumado a cavalos rústicos e a canchas retas, o gaúcho acompanhou a transformação que iniciou lenta como o ritmo da vida na capital da Província, mas que nunca mais seria interrompida. Porto Alegre crescia com a construção de prédios públicos e melhorias urbanas, e a antiga paixão pelas corridas nascia na capital. A antes mesmo da inauguração do primeiro hipódromo, aconteciam disputas, desde as estradas na entrada da cidade até nos subúrbios. Em 1872, a Várzea – nome popular à época dos terrenos do parque Farroupilha – transformou-se no cenário das primeiras corridas em círculo com definição similar às das corridas na Inglaterra e como as que já aconteciam no Rio de Janeiro, incentivadas pelo Imperador Dom Pedro II. Em 1877, o médico Ramiro Fortes Barcelos fundou o primeiro hipódromo, denominado Porto-Alegrense; no entanto, este só vingou na segunda tentativa, quatro anos depois, com a denominação de Prado da Boa Vista, em 23 de maio de 1880. A Gazeta do Povo, em 15 de maio do mesmo ano, saudou o empreendimento: “Era realmente tempo de que Porto Alegre imitasse o exemplo da Corte (RJ), de São Paulo, de Pelotas, onde todos possuem clubes de corridas em completa florescência”. O Boa Vista foi o pioneiro a organizar corridas regulares e em linha fechada. Ficava localizado próximo à antiga Estrada do Mato Grosso (atual Bento Gonçalves) e delimitava-se com as ruas Vicente da Fontoura (ex rua Boa Vista, daí seu nome) com a Santana e São Luiz. Um fato marcante ocorreu em janeiro de 1885, quando a Princesa Isabel, acompanhada de seu esposo Conde D’Eu, visitou a Província. E a “Redentora” manteve a tradição familiar, no dia em que visitou o Hospital Psiquiátrico São Pedro, programou uma ida ao Prado para assistir a uma reunião turfística. A Princesa registrou em seu diário de viagem (cartas ao seu pai Dom Pedro II) essa visita que marcou a história do turfe, ainda em seus primeiros passos em Porto Alegre. O Prado da Boa Vista funcionou por 25 anos, encerrando suas atividades no final de 1907. Em 6 de fevereiro de 1881, era inaugurado o segundo hipódromo oficial em Porto Alegre: o Prado Rio-Grandense, que entrou para a história do trufe e da cidade como Menino Deus. Sua construção teve inicio em 1877, sob a responsabilidade do engenheiro francês Eugenio Plazooles. Localizava-se na atual Avenida Getúlio Vargas e sua existência auxiliou a expansão e o crescimento do bairro homônimo. O Jornal do Comércio, em sua edição de 8 de fevereiro de 1881, registrou a abertura do novo hipódromo: “Inaugurou-se anteontem o Prado Rio-Grandense”... O prado realizou corridas até 1909 e foi cenário da primeira disputa do Grande Páreo Bento Gonçalves, sendo, logo após, sua área vendida para o Governo do Estado, para instalação da Secretaria de Agricultura, esta mantida até os dias atuais. O terceiro hipódromo da cidade, o Prado Navegantes, foi inaugurado em 1891 e localizava-se a 500 metros da linha do bonde no bairro de mesmo nome e o acesso davam-se pela Rua do Prado (atual Lauro Muller). Suas instalações avançavam sobre os terrenos das atuais ruas Simão Kappel e Beirute. Após a inauguração, suas atividades foram interrompidas e a reinauguração ocorreu em 1894. Desde sua fundação, o Navegantes enfrentou problemas com as cheias do Guaíba: quando as suas águas inundavam o bairro, alagavam sua pista de corridas. Como não havia sistema de drenagem, muitas vezes o Prado cancelava os páreos programados. Assim foi até 1906, ano que ainda organizou corridas; contudo, dada a concorrência com os demais hipódromos e a crise que atingia de modo geral o turfe na cidade, encerrou as atividades. O Prado Independência, no bairro Moinhos de Vento, em terrenos do atual “Parcão”, abriu as portas em 25 de março de 1894. A primeira diretoria era formada pelos senhores Hemetério Mostardeiro, Ten.-Cel. Frederico Augusto Gomes da Silva, Eurípedes Mostardeiro e o Major José Ignácio da Cunha Rasgado. Para a festiva inauguração, o gerente Martins Minaberry Júnior organizou um programa com 12 páreos, sendo o primeiro disputado às 10 horas. A preocupação com a luz natural obrigava que as reuniões começassem mais cedo. Em pouco tempo, tornou-se o grande prado de Porto Alegre, bem centralizado e de fácil acesso, elegante, espaçoso, com instalações modernas e uma pista de 1.000 metros. Aos poucos eliminou a concorrência. O Jornal do Comercio de 25 de março de 1894 comentava: “Esse novo hipódromo, que se acha colocado em ótimo lugar junto à estação da Companhia Carris Urbanos, dará hoje as suas corridas de estreia. O seu pavilhão, com espaçosas arquibancadas, pode dar acomodações para milhares de pessoas. Daí, bem como de qualquer lugar dentro do recinto do prado se pode apreciar perfeitamente as corridas. A cancha construída sobre um belo chapadão e tendo de circunferência 1.010 metros, prestar-se-á ao fim a que é destinado, mesmo depois de fortes chuvas, porque houve o cuidado da construção de largos escoadouros para as águas”. Para melhor entendimento da situação do esporte no início do século XX, é importante registrar que no final do século XIX os hipódromos pertenciam a associações anônimas, entidades que visavam também lucros mercantis. Por exemplo, o prado Rio-Grandense pertencia à sociedade comercial Pereira, Guimarães e Cia, fundada em 1880. Segundo publicação da época, admitia sócios “que apenas entrassem com capitais e não participassem dos negócios do prado”. A Revista Esportiva afirmava: “A sociedade Anônima Prado Rio-Grandense desenvolveu-se extraordinariamente, distribuiu dividendos fabulosos e daí, como consequência da cobiça, a fundação de outros prados”. Citava o Prado Navegantes e o Independência. O jornal A Federação detalhou o capital dos quatro prados e, segundo o Jornal do Comércio de 3 de outubro de 1897, o Prado Navegantes, o menor entre os demais, movimentou entre janeiro e setembro do mesmo ano 422 contos de réis. Os quatro prados funcionavam simultaneamente, e o que mais admira: eram todos em pura ação mercantil, ganhando direito. Por ocasião do movimento revolucionário chegara a elevada soma de 90:000$000. Era natural a formação de sociedades turfísticas que organizavam corridas e concursos de apostas, podendo funcionar em um ou outros dos hipódromos existentes. Já no ano de 1899, nascia na cidade a primeira associação com objetivos de promover o turfe, não apenas de lucrar com ele: o Derby Club. Em 1904, a Revista Esportiva destacava: “Fundou-se aqui o Jockey Club, que teve duração das rosas do poeta, muito embora tivesse em ação e atitude mobilizante se desempenhando bizarramente de sua tarefa”. O Derby Club sofreu os efeitos de um contingente de turfistas descontentes, comandados pelos srs. José Joaquim da Silva Azevedo e Edmundo de Carvalho, que, ao se retirarem da sociedade, fundaram em 1907 o Turf Club, de pouca duração. A Revista Esportiva assim comentou: “Tentaram a vida o Turf Club e o Turf Independência, que logo desapareceram”. A Revista fala que em 1907 surgiria outra entidade. “No princípio do ano que decorre surgiu, qual onda revolucionária, o Turf Rio-Grandense, sob direção de dois competentes, cada qual mais ativo. Feneceu também em curto espaço de tempo, tendo antes trilhado fácil caminho que parecia assegurar-lhe uma longa vida”. Estava à frente um grupo chefiado por J.J. da Silva Azevedo e Edmundo Gonçalves de Carvalho que organizaram o Turf, com sede no Prado Rio-Grandense. DA PROTETORA INDEPENDENTE NASCEU O JOCKEY CLUB DO RIO GRANDE DO SUL O dia 7 de setembro de 1907 teve um significado todo especial para os apaixonados, adeptos e incentivadores das corridas em Porto Alegre. O dia da Independência do Brasil foi definido para ser a data da fundação da Associação Protectora do Turf. Os idealizadores da nova associação não optaram por esse simbolismo em função do nome do hipódromo escolhido para sediar os eventos, o Prado Independência. O dia eleito tinha um simbolismo maior, estava associado a uma ideia, e um objetivo que ficou bem expresso na ata histórica que oficializou a fundação: “unificar e impulsionar o esporte hípico em Porto Alegre”. Segundo a ata, a Protectora surgia para unir “elementos que pugnassem seriamente pelo engrandecimento do esporte atualmente em crise bem difícil”. A nova associação será criada visando dividir entre jockeys, tratadores e inscritores, os lucros líquidos que forem apurados e empenhará a maior severidade pela máxima moralidade em suas corridas e festas esportivas”. Deixava-se para trás o insucesso de experiências anteriores e partia-se para um novo modelo de gerenciamento, capaz de consolidar o turfe como um esporte respeitado, um entretenimento popular e – por que não? – um negócio firme e motivador do próprio aperfeiçoamento. No mês de novembro de 1907, a Revista Esportiva registrou: “A 3 do vigente mês inaugurou-se no Prado Independência, sob magníficos auspícios, a Associação Protectora do Turf. Seu programa agrada e merece ser respeitado. Os ‘Sportmen’, sérios e desinteressados devem prestigiá-la, procurando acobertá-la das garras dos ‘tribofeiros’, únicos responsáveis pelo estado decadente em que se encontra o tufe. A união faz a força, Derby e Protectora que se liguem, em ação leal e duradoura, e muito devemos esperar das atuais associações que, em tanta galhardia se batem pelo esporte hípico do Rio Grande do Sul.” Homens que divergiam em vários momentos sentaram-se à mesma mesa. A primeira diretoria completa foi assim constituída: Presidente: Oscar Canteiro Vice-Presidente: Cap.Ten. Octavio de Lima e Silva Secretário: José Olympio de Souza Tesoureiro: Cirillo Pezzani Diretores: Major Raul Pedro de Amorim, André Kraemer, Fernando Brochado d’Oliveira, Ignácio José da Silva, Elisio Feijó, Jacintho Bernardo Henriques Gonçalves Diretores-Gerais: J. J. da Silva Azevedo, Martins Minaberry Júnior e Alfredo de Mello e Costa Conselho Fiscal: Ten.-Cel. Edmundo H. T. Bastian, Guilherme Yung Filho e Joaquim Rodrigues de Almeida. A mudança do nome da Protectora do Turf agitou os meios turfísticos de Porto Alegre em dezembro de 1944. A Assembleia realizada na sede da Andrade Neves teve grande participação de associados, pois a reforma do Estatuto recebia forte oposição por parte de um grupo de associados contrário à mudança do nome da entidade. O presidente Cneu Aranha abriu os trabalhos e a decisão foi de 224 votos a favor da mudança e 68 contra. Dessa forma oficialmente o nome de Associação Protectora do Turf despareceu e surgiu o Jockey Club do Rio Grande do Sul. As principais provas do calendário do Jockey Club do Rio Grande do Sul, o Grande Prêmio Bento Gonçalves, prova de Grupo 1 na escala internacional foi instituído no ano de 1909 e é considerada a competição de maior relevância no cenário nacional, reservada para animais de 3 anos e mais idade e é disputada na distancia de 2.400 metros sobre pista de areia. O Grande Prêmio Protetora do Turfe, competição de Grupo 3, instituída em homenagem ao centenário da Independência, celebra a instituição que deu origem ao Jockey Club do Rio Grande do Sul, a antiga Associação Protetora do Turfe. Os Pavilhões do Hipódromo do Cristal são referência arquitetônica e foram considerados a mais importante obra da arquitetura moderna de Porto Alegre. Seus edifícios foram tombados pelo Patrimônio Histórico e Arquitônico do município em 2005. Román Andrés Fresnedo Siri, o autor do projeto, nasceu no Uruguai. Concluiu o curso de Arquitetura em 1930 e o mestrado na Universidade de Columbia, em New York. Com carreira destacada, conquistou fama internacional ao vencer importantes concursos de Arquitetura. Entre seus principais projetos estão o Hipódromo de Maroñas e a Faculdade de Arquitetura de Montevidéu, além da sede da Organização Pan-Americana em Washington D.C. Durante a execução do projeto para a sede do Jockey Club, projetou o Edifício Esplanada nos altos da Independencia, outro marco da arquitetura de Porto Alegre. O projeto de construção do Hipódromo do Cristal teve início em 1922. A pedra fundamental seria lançada 23 anos depós, e a inauguração ocorreu no dia 21 de novembro de 1959, num sábado, com o pavilhão social interditado devido a um incêndio na moderna escada rolante do recinto. Os associados do Jockey Club acomodaram-se na parte superior do pavilhão popular. Após a solenidade de hasteamento da bandeira do Jockey Club pelo diretor da Comissão de Obras, José Pinheiro Borda, o presidente Vicente Marques Santiago convocou os porto-alegrenses a assistirem à primeira reunião turfística no novo hipódromo. O clube tem hoje em torno de 4.000 associados. As corridas são realizadas todas as quintas-feiras a partir das 16,00 horas, com programação de 10 a 12 páreos e com apostas via satélite, totalizadas pelo Jockey Club Brasileiro em todo o território nacional. Fontes e bibliografia Dreys, Nicolau (Notícia descritiva da Província do Rio Grande de São Pedro do Sul). Franco, Sérgio da Costa (Guia Histórico e Porto Alegre). Kiefer, Flavio (Histórias de Porto Alegre). Rozano, Mário (Histórias de Porto Alegre). Spalding, Walter (Pequena História de Porto Alegre). Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Arquivo Histórico de Porto Alegre Moyses Velinho. Arquivo Jornal Correio do Povo. Arquivo Universidade do Vale dos Sinos. Arquivo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul. Museu da Brigada Militar. Museu da Comunicação Social José Hipólito da Costa.
Mário Rozano Historiador Diretor de Educação e Formação Profissional do JCRGS |